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15/08/2009 - 11:56

Liberdade sem lei ou lei sem liberdade?

Um dos maiores desafios que se impõem ao operador do Direito reside na instrumentalização da norma e de sua concretização de forma a atender os objetivos esposados pelo legislador. Como interpretar de forma equânime e justa o texto legal de modo a extrair a aplicação mais eficaz da letra da lei?

Compatibilizar os anseios e as demandas sociais com os princípios que norteiam a hermenêutica constitucional é sempre tarefa que suscita um amplo debate social que, invariavelmente, encontra posições encasteladas, gerando uma polarização radical que não contribui para o consenso.

Atualmente, enfrentamos mais uma dessas situações diante de recente decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da não obrigatoriedade do diploma de curso de nível superior para o exercício da profissão de jornalista.

Inicialmente vamos arrolar fatos que, certamente, fornecerão subsídios para compreendermos a decisão do STF.

Em 1969, foi editado o Decreto-lei nº 972 que no seu artigo 4º instituiu a exigência do diploma superior de jornalismo, registrado pelo Ministério da Educação para o exercício desta profissão.

Em 1988, como sabemos, foi promulgada a Constituição atual que, no seu artigo 5º, XIII, traz uma norma de eficácia contida que, como regra geral, pugna pela ampla liberdade de oficio, trabalho e profissão.

Em 1992, o Estado brasileiro ratifica a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, denominado Pacto de San José da Costa Rica.

Em 2008, o Supremo Tribunal Federal eleva o referido Pacto de San Jose à condição de norma supralegal, algo que, hierarquicamente, paira acima da lei ordinária e abaixo da norma constitucional.

Em maio de 2009, através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, o STF declarou não recepcionada integralmente a Lei de Imprensa, Lei nº 5.250/67, por inconstitucionalidade material superveniente.

Em junho de 2009, vê-se o STF às voltas com um Recurso Extraordinário interposto pelo Ministério Publico Federal e pelo Sindicato das Empresas de Radio e Televisão no Estado de São Paulo – SERTESP (RE 511961/SP) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Relatados cronologicamente os fatos, vamos à sua análise.

Na decisão deste Recurso Extraordinário, os Ministros do STF levaram em consideração os diversos momentos históricos em que os diplomas constitucionais, legais e supralegais, envolvidos no conflito, surgiram.

Além disso, o Ministro Gilmar Mendes ressaltou que “o jornalismo e a liberdade de expressão são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensados de forma separada”.

Igualmente, procederam a uma interpretação sistemática do artigo 5º, XIII da Constituição, de forma a considerar que o Decreto-lei nº 972 de 1969 não restou recepcionado por esta norma constitucional. Afinal, a regra geral de eficácia absoluta só comporta exceção razoável a ser regulamentada por norma infraconstitucional. É compreensível que, no âmbito desse modelo de reserva legal qualificada, paire uma imanente questão constitucional quanto à razoabilidade e à proporcionalidade das leis restritivas, de forma a evitar que, a pretexto de regulamentar um dispositivo constitucional, tais normas invertam o seu sentido, transformando em exceção o que deveria ser regra geral.

Nesse sentido, salientou o Ministro Ricardo Lewandowski que “o jornalismo prescinde de diploma”. Só requer desses profissionais “uma sólida cultura, domínio do idioma, formação ética e fidelidade aos fatos”.

Certamente, essa decisão do Pretório Excelso, desagradou grupos econômicos que se habituaram a explorar a educação como mercadoria cara e, portanto, inalcançável por significativa parcela da população.

E, como sempre acontece, os paladinos dos grandes grupos econômicos se manifestaram rapidamente, apresentando uma proposta de emenda constitucional espúria e casuística. A referida PEC tem por objeto criar um pretenso artigo 220-A na Constituição, para dispor sobre a exigência do diploma de curso superior de comunicação social, habilitação jornalismo, para o exercício da profissão de jornalista.

Já era tempo de termos amadurecido o suficiente para percebermos que um país com instituições realmente sólidas e confiáveis não se coaduna com uma Constituição imediatista, que de tão inchada para atender interesses pontuais, demonstra uma prolixidade incompatível com os rumos do direito constitucional contemporâneo. Até porque há muito caiu por terra à ideia de que rigidez constitucional é garantia de estabilidade política e econômica.

Isso sem contar que já existem inúmeros projetos de lei tramitando no Congresso Nacional com o objetivo de regulamentar diversas profissões, como a de detetives, babás, escritores, design de interiores, modelo de passarela, entre outras. Não obstante, todas as profissões sejam dignas e nobres, já temos uma Constituição que garante seu livre exercício, sendo tais projetos tão oportunísticos quanto demagógicos, revestidos de inconfessável interesse eleitoreiro.

Destarte, apenas profissões cujo exercício possa ocasionar danos e riscos à coletividade devem ser reguladas de forma a se exigir uma aferição de conhecimentos científicos decorrentes da natureza daquele trabalho, oficio ou profissão, justificando-se a conclusão de curso superior ou de especialização.

Até porque a inexistência de lei regulamentando uma determinada profissão não impede que a parte prejudicada seja devidamente protegida através da tutela jurisdicional toda vez que um direito reste violado.

O Supremo Tribunal Federal dá bom exemplo quando se insurge contra o número excessivo de leis e regulamentos, como se fosse possível a conversão de todos os fatos sociais em relações jurídicas (se isso acontecer os sociólogos é que vão ficar sem emprego).

Fugir dessa regra básica de contenção constitucional é abrir caminho para a uma interferência exagerada do Estado nas relações sociais. E a história nos ensina que, quando as leis são excessivas, a liberdade é inexoravelmente reduzida.

. Por: Sylvio Motta, coordenador da Companhia dos Módulos, professor de direito constitucional, autor de diversas obras e editor de concursos da Campus/Elsevier.

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