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10/09/2009 - 10:03

A Síndrome de Estocolmo e a cadeia automotiva brasileira

Nos anos 70, quando cunhou a expressão “Síndrome de Estocolmo”, definindo desvio psicológico pelo qual a vítima passa a se identificar com o agressor, busca conquistar sua simpatia e assume absoluta concordância com suas práticas, o criminologista e psiquiatra sueco Nils Bejerot jamais poderia imaginar a analogia que seria estabelecida, mais de três décadas depois, com a cadeia produtiva da indústria automobilística brasileira. Para tornar mais clara a questão, é importante lembrar a origem do termo.

Como se sabe, em 1973, dois assaltantes invadiram o Kreditbanken em Estocolmo, capital da Suécia. Eram 10h15 de uma quinta-feira, 23 de agosto. Portando metralhadoras, renderam algumas pessoas, com as quais permaneceram por quase seis dias na caixa forte. Os bandidos foram finalmente subjugados e as vítimas, libertadas. Foi imensa surpresa a hostilidade dos reféns contra os policiais e a sua posição de ardorosa defesa de seus algozes, aos quais passaram a manifestar dependência e sentimento de defesa e complacência. A atitude manifestou-se até mesmo nos depoimentos nos tribunais. O estranho comportamento e posturas análogas receberam, então, o nome de “Síndrome de Estocolmo”.

Embora absurda e descabida, há imensa semelhança comportamental nas relações b2b no âmbito da cadeia produtiva da indústria automobilística brasileira contemporânea. Sequestram-se, sob a concordância das próprias vítimas, o lucro e a saúde financeira das empresas de autopeças. Montadoras impõem, paulatinamente, uma concorrência quase caracterizada como leilão reverso, substituindo a segurança do fornecimento e o compromisso de qualidade, implícitos em contratos mais duradouros, pelo oportunismo de preços aviltados e negociações inconsistentes de curto prazo. Esta prática de preços aviltantes estabelece uma espécie de tourada, na qual o touro é sangrado cruelmente até a morte, de modo perverso pelo toureiro, sob o aplauso da plateia.

Todos verbalizam a meta da sustentabilidade, fazendo a apologia dos avanços tecnológicos e de veículos mais seguros e silenciosos, menos poluentes e onerosos. No entanto, esse discurso da moda é mera verborragia, pois prevalece, mesmo, a dura realidade dos preços distorcidos e empresas desrespeitadas, por compradores e, o que é pior, por elas próprias. Montadoras incentivam seus fornecedores a promoverem mudanças em materiais ou em processos, de maneira que se atendam às especificações de qualidade, mas acarretem maior vantagem competitiva (leia-se: a redução crescente do lucro de alguns para o constante aumento do lucro de outros).

Resultado: no contexto de um cenário de vendas recordes de automóveis no Brasil, suscitado por redução tributária integrante da estratégia do País para o enfrentamento da crise mundial, o faturamento do setor de autopeças no primeiro semestre de 2009 foi 24,8% inferior ao de igual período do ano passado. O número de trabalhadores empregados no segmento recuou de 198 mil, em maio, para 196 mil em junho. O déficit da balança comercial setorial no acumulado de janeiro a junho foi de US$ 997 milhões, 7,6% maior do que o registrado no mesmo período de 2008.

É preciso refletir sobre as relações distorcidas entre fornecedores e montadoras. A passividade e concordância com as políticas de preço e “concorrência” estabelecidas pela indústria automobilística não atingem apenas as empresas de autopeças; também transformam em reféns os consumidores, o mais importante e, ao mesmo tempo, vulnerável elo de toda essa cadeia de suprimentos.

Está-se substituindo a saudável equação de equilíbrio e justiça econômica na qual todos devem ganhar, por uma subserviente regra de perde-ganha, nociva para o setor, aos compradores finais de veículos, à economia brasileira e, portanto, toda a sociedade. É uma estranha e indesejável síndrome.... Felizmente, não são todas as montadoras e tampouco toda a cadeia contaminadas. É importante distinguir os que mantêm a lucidez, para que suas práticas estabeleçam um novo referencial ao mercado.

. Por: Esther Faingold, administradora de empresas, pós-graduada em Política Internacional e História da Arte pela FAAP, é CEO da Mueller — fabricante de conjuntos de material plástico para indústria automotiva e de informática.

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