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23/09/2009 - 13:05

Os quatro "C" s da Retaliação

O governo brasileiro, às voltas com o desafio de desenhar e eventualmente aplicar a retaliação que lhe foi autorizada pela OMC contra os Estados Unidos, se assemelha a um explorador em terras pouco visitadas. A retaliação é trilha intocada pela maior parte dos países e, no caso da retaliação cruzada, terra virgem – nunca outro país executou esse tipo de retaliação. Ao tatearmos o caminho que pode vir a ser seguido pelo Brasil, quatro “c”s parecem fundamentais: coragem e criatividade por parte do governo, clareza do processo e consonância do programa de retaliação com o direito brasileiro e internacional.

Os primeiros passos da caminhada só serão dados se houver coragem. O algodão é um eixo essencial da visita do atual representante do Comércio dos Estados Unidos, Ron Kirk, ao Brasil. Kirk tem sido bastante cortês. Em outubro de 2005, em outro momento importante do caso do algodão, o então representante comercial, Robert Zoellick, também esteve por aqui. Foi menos cortês.

Perguntado sobre a ameaça de retaliação por parte do Brasil, durante uma conferência à imprensa, Zoellick declarou, fazendo referência ao Sistema Geral de Preferências Comerciais dos Estados Unidos, que beneficia o Brasil, e a violações de propriedade intelectual no País, que se alguém decidisse retaliar, talvez outros também retaliassem. O incidente é ilustrativo de um jogo político que pode voltar à tona.

Se coragem será necessário para o início da caminhada, a criatividade será fundamental para o seu sucesso. O próprio representante de comércio americano referiu-se à criatividade, em declarações recentes. Tendo em vista o volume de comércio potencialmente afetado pela retaliação contra os Estados Unidos e as possíveis reações daquele país, provavelmente não bastará ao governo brasileiro concentrar-se no clássico aumento de alíquotas do imposto de importação. Será necessário vislumbrar alternativas e combinações criativas.

Por exemplo, poderia ser analisado o rebaixamento de alíquotas para outros países, mantendo aquelas aplicáveis aos produtos americanos, incentivando a mudança de fontes de suprimento por produtores brasileiros. Ou formas de compensação monetária direta pelos Estados Unidos, que poderia ser revertida aos setores brasileiros mais afetados pelos subsídios. Ou, ainda, como incrementar o acesso ao mercado americano.

Além disso, o processo deve ser marcado pela sua clareza. O principal objetivo da retaliação, sob o prisma da OMC, é induzir o país violador a cumprir a regra violada. O incentivo ao cumprimento da regra é gerado pela suspensão de concessões feitas no passado ao retaliado, piorando a sua posição comercial junto ao retaliador. A suspensão de concessões (por exemplo, o aumento da alíquota do imposto de importação sobre um produto) leva os agentes prejudicados por tal suspensão, no país retaliado, a pressionar para que seu governo retorne à legalidade.

Entretanto, concessões comerciais sustentam expectativas e relações de agentes econômicos dos dois países envolvidos. Sua suspensão impacta diretamente tais agentes, tanto no país retaliado, quanto no retaliador. A experiência internacional ensina que o aumento da participação e contribuição da sociedade no processo de elaboração das sanções contribui para evitar a captura de vítimas inocentes. Quanto mais agentes se manifestarem sobre a retaliação e auxiliarem na sua elaboração, menor será o risco de erros na lista de concessões a suspender. Para tanto, transparência é preciso.

Finalmente, o objetivo de induzir o cumprimento da regra da OMC não pode ser perseguido a despeito do direito. Este ponto pode ser especialmente delicado quanto à possibilidade de aplicação da retaliação contra direitos de propriedade intelectual. Caso esta efetivamente ocorra, e dependendo dos termos e condições do programa adotado, a retaliação poderá dar ensejo a questionamentos de ordem constitucional (por exemplo, relacionados à proteção da propriedade intelectual, à discriminação contra estrangeiros e ao papel do judiciário na revisão de atos do poder executivo no campo das relações internacionais).

Isso sem contar as complicações de natureza civil (por exemplo, em relação aos contratos de natureza privada afetados), de natureza administrativa (por exemplo, como assegurar que a titularidade do direito de propriedade intelectual por cidadãos brasileiros ou estrangeiros de terceiros países não seja afetada e como manter os limites impostos pela OMC) e até mesmo complicações de natureza criminal (por exemplo, em relação à exploração de direito de propriedade alheio).

É preciso que a retaliação esteja em consonância com o direito. Se o governo não antecipar essas questões ao planejar a retaliação, poderá perder-se no meio do caminho, sem completar o percurso.

Fontes: *Marina Egydio de Carvalho é professora de Direito Internacional no curso de Relações Internacionais da ESPM SP e advogada do Grupo de Comércio Internacional de Barretto Ferreira, Kujawski, Brancher e Gonçalves (BKBG).

. Por: Luiz Eduardo R. Salles, advogado do Grupo de Comércio Internacional do mesmo escritório. O artigo reflete a opinião pessoal dos autores.

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