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26/09/2009 - 12:12

“Policialização” da segurança pública no Brasil

É comum no Brasil, após um final de semana com altas taxas de homicídios dolosos contra a vida, o chefe da Polícia Civil e/ou o Comandante Geral da Polícia Militar dos Estados, serem chamados pela mídia local para prestarem esclarecimentos sobre a causa de tantos homicídios. Esta prática corriqueira e não exclusiva de apenas um Estado, muito menos do Brasil, só vem reforçar no imaginário da população a questão da “policialização” da segurança pública tão evidente no Brasil, a qual delega as instituições policiais a (in) responsabilidade de gerir, de forma exclusiva, a segurança pública dos Estados brasileiros.

Segundo Câmara (2002), tal prática foi ocasionada pela não inovação da Constituição Federal de 1988, no que diz respeito ao artigo 144 que trata da segurança pública, uma vez que, apesar do caput deste artigo dizer que a segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de todos, a Carta isola e compartimenta a polícia (como suas diversas adjetivações) do Ministério Público e do Poder Judiciário, como estes pudessem agir dissociadamente, não alterando o modelo anterior e “engessando” as instituições, permitindo que estas alçassem vôos isolados como se não fizessem parte de um conjunto necessariamente harmonioso cujo objetivo final é a paz social.

Outro fator apontado por Câmara (2002) é o alheamento da sociedade no que diz respeito ao assunto de segurança pública, dado que fomos criados na certeza de que cabe ao governo resolver os problemas que afetam a comunidade, pois, segundo o Autor, todos acham que cabe à polícia resolver tudo, como se a repressão ao crime tivesse o condão de eliminar a violência. E a culpa é daqueles que insistem no discurso de que segurança pública é responsabilidade dos Estados e, por conseguinte, nem a União, nem os Municípios, nem a sociedade, nada teriam a ver com isso! Até mesmo o capítulo da Constituição de 1988, que trata da segurança pública, limitou o assunto à polícia.

Não obstante, outro motivo pela delegação da segurança pública a polícia é ocasionado também pela confusão que os governantes e a população de modo geral, fazem entre segurança pública e polícia, visto que a Polícia é um serviço prestado pelo estado por meio das polícias Civil e Militar, enquanto a Segurança Pública é um amplo conjunto de ações e políticas públicas e privadas, envolvendo os poderes nos três níveis de governo e a sociedade como um todo, a partir do indivíduo, considerado isoladamente, até suas organizações (CÂMARA, 2002).

Outrossim, o motivo dessa delegação também está condicionado a própria missão destinada, pela Constituição Federal em seu artigo 144, a Polícia Militar, a qual atribui à preservação da ordem pública e a polícia ostensiva. E é justamente ao analisar conceito de ordem pública que ocorre este problema, pois esse conceito é muito amplo e “[...] constitui-se de três aspectos: a salubridade pública, a tranqüilidade pública e finalmente a Segurança Pública” (MELO, 2000).

Como asseverado, fica claro que segurança pública não é formado apenas pela força policial, esta é apenas um componente de um sistema que, para produzir um bom resultado, é necessário que ele funcione harmonicamente, coordenadamente, onde cada um dos componentes dê continuidade ao trabalho do outro.

Segundo um documento elaborado pelo Centro Regional de Conhecimentos e Serviços para o Desenvolvimento na América Latina e Caribe (SURF LAC), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Instituto Latinoamericano de Segurança e Democracia (ILSED), datado de 2005, apresentado no Curso de Gestão de Políticas Públicas de Segurança Cidadã, realizado em Vitória, em 2006, esta delegação da segurança pública as forças policiais, trouxe como conseqüência a ausência de políticas de segurança pública de caráter integral no momento de formular e implementar estratégias de prevenção, repressão e persecução penal do delito; de atenuar situação e atos de violência que ameaçam as liberdades cidadãs e os direitos humanos; e de levar a cabo profundas reformas institucionais visando a modernizar o sistema institucional de segurança pública dos países.

Esse documento pontuou ainda que esse pensamento impediu que o sistema institucional de segurança pública contasse com determinados produtos indispensáveis a uma abordagem integral dos assuntos da segurança pública, como: um quadro de situação real da violência, bem como da problemática criminal nas diferentes regiões e cidades; um diagnóstico apropriado do desenvolvimento institucional do sistema de segurança pública; a formulação e a implementação de estratégias gerais e focadas na prevenção, repressão e neutralização das situações de violência e da problemática criminal, não apenas fazendo uso adequado dos componentes do sistema policial, mas também de instâncias de intervenção social, econômica e cultural; e a incorporação dos diferentes atores e grupos sociais e comunitários na formulação, implementação e controle dessas estratégias (SURF LAC; PNUD; ILSED, 2005).

Por fim, foi apontado no documento um caminho possível para a “despolicialização” da segurança pública, o qual deveria levar em consideração certas noções básicas que constituem uma visão democrática da segurança pública, tais como: (1) os assuntos de segurança pública são substancialmente políticos, e não apenas, nem predominantes, policiais; (2) a segurança pública tem como objetivo e sujeito fundamentais as pessoas e a comunidade, e não o Estado ou sua agência policial, que são apenas um instrumento daquelas instâncias; (3) os instrumentos de intervenção fundamentais do governo político em matéria de segurança pública não se esgotam no sistema policial, mas pressupõe um sistema de prevenção social da violência e do delito; (4) a elaboração do quadro de situação dos atos que ameaçam a ordem pública e aprofundam as problemáticas da violência e do delito, bem como a formulação das políticas e estratégias de segurança pública são responsabilidades institucionais indelegáveis das autoridades governamentais a cargo do governo dos assuntos da segurança pública, e não da agência policial; e (5) a direção superior e a condução estratégica das instituições policiais são responsabilidades institucionais indelegáveis das autoridades governamentais a cargo do governo dos assuntos da segurança pública, e não das instâncias superiores de condução operacional da agência policial (SURF LAC; PNUD; ILSED, 2005).

Nesses lindes, percebemos claramente que essa delegação ainda é muito vigente em nossa cultura, uma vez que para enfrentamento de ocorrências como “toque de recolher” impostos por bandidos em bairros, principalmente de periferias, na maioria das vezes surgem somente ações impactantes de ocupação Policial Militar, as quais são realizadas por um período curto, até a abertura dos comércios e escolas, não tendo o envolvimento dos outros órgãos igualmente responsáveis pela segurança pública e muito menos envolvimento direto de órgãos e/ou de secretarias ligadas aos governos estaduais e municipais.

. Por: Enoni Erlacher (Militar Estadual, Graduado no Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Espírito Santo; Especialista em Segurança Pública pela UFES; Graduando em Direito pela UFES).

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