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“O Rio de Todos os Brasis”

"Sempre gostei muito de ler e sempre fui amigo dos livros [...] Toda minha fé e esperança na vida, vêm das palavras de um médico, de que não guardei o nome: ele tirara uma radiografia de minha coluna e, projetada a chapa no aparelho próprio e com palavras técnicas tentava explicar-me o que havia encontrado. Então eu, interrompendo-o, perguntei-lhe: ‘Doutor, eu sou viúvo e minha filha única trabalha no exterior, como funcionária do Itamarati. Sendo, assim, um homem só, preciso saber de modo claro o que tenho'. Ele, então, responde: ‘Dr. Doyle, o senhor não tem nada, o senhor tem apenas excesso de mocidade'". (Plínio Doyle. Uma Vida. Rio de Janeiro: Casa da Palavra: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1999, p. 61-132).

A União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro (UBE-RJ), no dia 27 de outubro de 2006, realizou, no Auditório da Academia Brasileira de Letras, a entrega dos prêmios literários aos melhores trabalhos escritos no Brasil, no ano de 2005. Numa cerimônia concorrida, o evento deu início no horário marcado, às 15h, pelo presidente Geraldo de Menezes, e após suas palavras emocionadas, procedeu-se ao ritual programado.

Antes de falar da cerimônia organizada pela UBE-RJ, da qual tive a honra de participar, cabe relatar que o contato inicial dessa entidade com a Editora Universitária da Universidade Federal de Mato Grosso (EdUFMT), aconteceu na década de 90, quando da visita a Cuiabá, da Secretária Geral - Stella Leonardos, para participar da inauguração das novas instalações da EdUFMT, e do lançamento de um livro de sua autoria “Memorial de Rondon”, publicado pela Editora Universitária da UFMT. Três livros da EdUFMT foram premiados pela UBE-RJ, e numa das minhas primeiras idas, a trabalho, ao Rio de Janeiro, como coordenador da EdUFMT, fui apresentado pela Stella Leonardos ao Plínio Doyle em uma das reuniões do famoso “sabadoyle”.

Quando cheguei ao apartamento do saudoso Plínio Doyle, no Leblon, tive uma recepção bastante calorosa, sendo logo conduzido a um dos aposentos para registrar no livro de visitantes uma saudação aos presentes. Fiquei por alguns instantes sentado à escrivaninha do seu apartamento sem saber o que fazer, restabelecendo-me da surpresa. Escrevi no livro algumas palavras, retornei ao recinto onde se encontravam os outros convidados, e fiz a leitura em voz alta da minha saudação. Foi emocionante! Era um mundo sereno-movimentado em busca de um mundo sereno-movimentado para todos. Degustamos os bolinhos da terra, tiramos fotografias e conversamos sobre livros.

Talvez pela jovem maturidade, tivesse tão pouca noção do significado histórico daquele momento, num espaço que fora comungado a partir do início da década de 70 por interessantes intelectuais como Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Peregrino Júnior, Raul Bopp e tantos outros. Foi dessa forma que acabei sendo reconduzido ao Rio de Janeiro, depois de por muitos anos ter ficado sem visitar a cidade. De acordo com Plínio Doyle, no ano de 1972 foi que surgiu a idéia do estabelecimento de uma ata semanal para registrar os acontecimentos, tendo sido a primeira lavrada por Alphonsus de Guimarães Filho com os seguintes dizeres:

"Livro Vá Em Frente! Livro destinado a ser de presença, necessário é – somente para ter o destino de um arquivo. Porque, no que se refere ao demais, quem não terá a melhor das alegrias, de assiná-lo com o mais vivo júbilo hebdomadário? Aqui pensa quem assina, quem com gosto assinará: ‘Grande dia, grandes dias pretendo viver ainda nesta casa que agasalha, vida que se quer infinda, entre amigos, junto ao amigo melhor, que é o nosso Plínio’. Isto posto, eis o que digo, não resistindo ao fascínio de escrever – como se infere – em tão gostoso ambiente: - Livro, livro, vá em frente! E a todos reúna e valha."

(Plínio Doyle, 1999, p. 109).

Todo esse ritual tocou-me tanto, que o amor que tinha guardado no coração pelo povo carioca retornou intensamente às minhas veias naquele momento. Desde então, acordei e percebi que o Rio de Janeiro continuava tão lindo como sempre fora, fazendo jus ao título de Cidade Maravilhosa. Sempre que pude, passei a visitar o Rio de Janeiro com mais freqüência, tendo participado de algumas outras reuniões do “sabadoyle”, acompanhado da amiga e escritora Stella Leonardos. Realmente, o escritor Cassiano Nunes tinha razão quando disse, em um escrito especial que brindou a placa, que registra a inauguração do prédio da EdUFMT, “Tudo passa neste mundo, menos os livros, que registrando todos os fatos e idéias, afirmam a eternidade do espírito”. Os livros permanecem para sempre colegas, ou melhor, os livros são eternos. Por meio dos livros podemos conversar com o futuro. Tornamo-nos imortais. E quem não busca a imortalidade? Até Ulisses ao retornar da Odisséia.

Mas, retornando a cerimônia da UBE-RJ deste ano, quero registrar que o agraciado com o troféu maior foi o colega economista e professor Carlos Lessa, pelos trabalhos realizados em prol do Brasil e pelo clássico, “O Rio de todos os Brasis (uma reflexão em busca de auto-estima)”, publicado em 2000, pela Record. Segundo Carlos Lessa o livro “é uma confissão de dívida e uma declaração de moratória a Maria da Conceição Tavares, minha irmã de espírito e de cruz” (2000, p. 05). Também observa com propriedade que “A mutilação do Estado brasileiro repercute sobre o Rio mais intensamente que em qualquer outra cidade” (2000, p. 14). O livro está distribuído em onze temas: 1º. Os condicionantes naturais e geográficos do Rio de Janeiro; 2º. Os vestígios do Rio colonial; 3º. A capitalidade e a formação do Rio; 4º. O café e o Rio de Janeiro; 5º. Rio e século XIX: escravidão e urbanização acelerada; 6º. A anatomia social da cidade imperial; 7º. Rio Cidade Maravilhosa: uma produção da República Velha; 8º. As décadas douradas; 9º. A visibilidade da pobreza; 10º. A perda da centralidade; 11º. Rio: pós-modernismo à brasileira.

Nesse trabalho Carlos Lessa faz uma explicação interessante sobre a necessidade que sentimos de “combinar a tropicalidade com a assimilação dos padrões culturais centrais”, e observa que:

“O mito do Rio de Janeiro como Cidade Maravilhosa foi adotado pelos brasileiros após o ´nihil obstat´ dos franceses. A neta de Victor Hugo, Jeanne Catulle Mendes, em 1912 publicou Rio: La Ville Merveilleus. Coelho Neto em 1908 já havia utilizado o qualificativo e reivindicou a primazia do codinome. Porém não podia competir com a força homologatória francesa. Coelho Neto tem um prêmio de consolação: pouco antes havia escrito um livro com o título A capital federal. O Rio é, a partir do início do século, a capital federal, assumida com muito orgulho. O Rio de Janeiro passa a ser para o Brasil um início de absolvição. O passado brasileiro nos condena, porém o futuro nos pertence. A cidade é a credencial desta promessa. O Rio deixou de ser pouco mais que uma ficção geográfica. Serviu de representação-síntese da nacionalidade brasileira, como dos elementos nucleares da construção ideológica nacional, da identidade e potencialidades do país. Nação inconclusa a ser construída, a cidade do Rio de Janeiro era a “demonstração de que se teria êxito”. (Rio de Janeiro - São Paulo, 2000, p. 211).

O amor de Carlos Lessa pelo Brasil está presente em “O Rio de todos os Brasis”, livro de leitura obrigatória para as pessoas que se interessam pelo estudo da identidade nacional, pela formação das cidades brasileiras, e por conhecer o olhar cultural. Nossos aplausos a UBE-RJ pelo troféu ao colega Carlos Lessa, que tive o prazer de conhecer pessoalmente quando do XVI Congresso Brasileiro de Economistas – “Políticas Públicas e Desenvolvimento: A armadilha do Endividamento Interno e Externo”, realizado em Florianópolis – Santa Catarina, no período de 04 a 07 de outubro de 2005. Cabe destacar que Carlos Lessa formou-se em Economia, pela “antiga” Universidade do Brasil, em 1959, leciona na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e publicou dentre muitos, os seguintes livros:

Enciclopédia de Brasilidade (Org.); Os lusíadas na Aventura do Rio Moderno; Depois do Atentado; Notícias da Guerra Assimétrica; O Rio Pensa o Brasil (Org.); A auto-estima e a questão social; Quinze anos de política econômica; Desenvolvimento Capitalista no Brasil: ensaio sobre a crise e Introdução à Economia: uma abordagem estruturalista (em co-autoria com Antônio Barros de Castro). Fiquei feliz com a homenagem a Carlos Lessa. Parabéns pela sábia escolha UBE-RJ!

. Por: Fernando Tadeu de Miranda Borgesprofessor do Departamento de Economia e dos Mestrados em Economia e História da UFMT | Cofecon

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