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24/11/2009 - 09:57

José Eli da Veiga lança livro sobre aquecimento global e ecodesenvolvimento

Obra discute a transição para o baixo carbono, crescimento e sustentabilidade, e a questão do monitoramento do ecodesenvolvimento em um cenário de riscos causados pelas mudanças climáticas e pela proliferação nuclear.

São Paulo – O economista José Eli da Veiga, professor da FEA-USP, lança dia 14 de dezembro, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, o livro Mundo em Transe, Do aquecimento global ao ecodesenvolvimento, publicado pela Editora Autores Associados, no qual resume para um público mais amplo grande parte de sua experiência adquirida em quase quarenta anos de dedicação ao estudo do desenvolvimento sustentável. O lançamento terá início às 16 horas, com um debate no Teatro, seguido de sessão de autógrafos, às 19 horas.

Dividida em quatro capítulos, a obra discute a transição ao baixo carbono, a relação contraditória entre crescimento e sustentabilidade, o chamado decrescimento ou condição estável e o problema do monitoramento do ecodesenvolvimento.

Todos esses temas são tratados em um cenário preocupante formado por graves ameaças que pairam sobre os seres humanos: o aquecimento global, já irreversível, e as milhares de armas atômicas espalhadas pelo mundo, hoje um risco bem maior que o existente nos tempos da Guerra Fria.

Mas, “se o mundo puder desviar dos perigos criados pela disseminação de armas nucleares e biológicas, certamente as economias transitarão para o baixo carbono, malgrado o bizantino processo de negociações no quadro da Convenção do Clima. Porém não será suficiente a redução das intensidades-carbono para que sejam evitados os piores cenários do aquecimento global. As emissões totais precisarão diminuir em termos absolutos”.

Essa é uma tarefa para todos os países, e não apenas dos que se industrializaram antes, utilizaram fortemente combustíveis fósseis e hoje são ricos. No entanto, os países ricos têm mais capacitação científico-tecnológica e mais capital humano, e devem assumir compromissos de reduzir emissões de gases de efeito estufa, mesmo que não façam parte do grupo pioneiro da industrialização.

Veiga considera também que não faz sentido isentar de responsabilidade países ainda não desenvolvidos, como China, Índia, Brasil, Indonésia, África do Sul e alguns outros países da semiperiferia emergente (no caso brasileiro, “o zigue-zague dos posicionamentos diplomáticos só evidencia a ausência de uma estratégia nacional”).

O autor analisa o caso exemplar da Dinamarca e o que tem sido feito pelo Reino Unido, França e Estados Unidos. Apesar dos impasses criados pelos problemas do Protocolo de Kyoto, as tecnologias para reduzir a emissão de gases de efeito estufa já estão disponíveis ou em vias de entrarem no mercado. O que estimula as nações a se engajarem na transição ao baixo carbono é a visão de que o combate ao aquecimento global criará uma “nova era de progresso e prosperidade”. Em outras palavras: a superação da era fóssil já começou.

Mesmo assim, “as emissões globais oriundas do uso de energias fósseis são hoje 60% superiores às de 1980 e 80% às de 1970. Pior: são 40% superiores às de 1990, ano base do Protocolo de Kyoto”. Essa realidade remete à relação entre crescimento econômico e sustentabilidade ambiental.

Mais uma centena de nações têm se mostrado incapazes de obter crescimento econômico, mesmo do tipo extensivo, que ao menos atenda as necessidades básicas de populações que nas próximas décadas continuarão a aumentar a taxas bem elevadas. No extremo oposto, encolhem as populações das duas ou três dezenas de países que tiveram crescimento intensivo no século passado e hoje exibem PIB per capita de 25 mil dólares-PPC, ou IDH superior a 0,930. No meio, há um “centrão” formado por cinco ou seis dezenas de nações em ascensão, nas quais se reproduzem ou até são exacerbados os impactos negativos do crescimento intensivo. “Basta seguir as emissões totais de carbono da China, Índia, Brasil, Indonésia, África do Sul e outros grandes emergentes do segundo mundo.”

Depois de lembrar que foi só em 1950 que o crescimento econômico virou objetivo supremo das políticas governamentais (nas décadas anteriores a meta era o “pleno emprego”), o autor explica que o grande problema para estabelecer essas distinções é a forte convicção coletiva de que não há nada de errado com o crescimento econômico, de que ele sempre será benéfico, sejam quais forem as circunstâncias.

Exemplo emblemático desse modo de pensar é o Relatório Spence, escrito por uma comissão formada por 18 especialistas de 16 países, sob a liderança de Michael Spence, Robert Solow e Danny Leipziger, publicado em 2008 pelo Banco Mundial. Essa comissão propõe que o mundo siga o exemplo de 13 países que desde 1950 conseguiram expandir seus PIB a uma taxa média igual ou superior a 7% no período de ao menos 25 anos, entre eles o Brasil. O Relatório pretende que o PIB mundial possa mais que quintuplicar em um quarto de século.

Esse modo de pensar assume que existiria um descolamento relativo entre a produção e o uso de recursos naturais. A cada dólar de PIB seria consistentemente declinante a participação relativa de recursos como petróleo e minérios, por exemplo. Veiga acha essa visão incorreta, porque continua a aumentar o fluxo de recursos naturais que atravessa a economia, mesmo que diminua no PIB o seu peso relativo.

Na verdade, a pressão sobre os ecossistemas aumenta com a expansão da economia. “A dinâmica inovadora, que constitui uma das principais forças motrizes da economia capitalista — tão bem descrita por Joseph Schumpeter como um processo de destruição criativa — não permite que as empresas garantam sua sobrevivência apenas pela busca de minimização de custos. É vital para sua adaptação que procurem lançar novidades que sejam mais estimulantes para os consumidores, mesmo que sejam mais caras e mais devoradoras de recursos naturais.”

Para avançar na reflexão sobre o ecodesenvolvimento, Veiga faz uma crítica à teoria econômica convencional e cita as contribuições de Nicholas Georgescu-Roegen e de Herman E. Daly. O primeiro mostrou que as teorias da ciência econômica simplesmente fazem de conta de que não existe a termodinâmica e sua segunda lei, da entropia. A quantidade de energia incorporada aos bens finais é menor que aquela contida nos recursos utilizados na sua produção. Em outras palavras, uma parte da energia e do material transformado se torna imediatamente calor e resíduo. Avanços na tecnologia de produção significam menos desperdício, com maior proporção de material e energia de baixa entropia incorporada aos bens finais.

A dedução inescapável, diz Veiga, é que o desenvolvimento humano não poderá depender sempre de mais crescimento econômico. Segundo Georgescu-Roegen, um dia o desenvolvimento humano dependerá do “decrescimento”. Já Daly fala na “condição estável” como alternativa.

De acordo com Veiga, uma dos problemas básicos da abordagem convencional da produção está em reduzir o processo a uma questão de alocação. Essa abordagem trata todos os fatores como se fossem de natureza semelhante, supondo que a substituição entre eles não tem limites, e que o fluxo de recursos naturais pode ser facilmente e indefinidamente substituído por capital, dependendo da sua escassez (ou preço).

A economia ecológica, ao contrário, vê complementaridade entre o patrimônio natural e os meios de produção (capital). O que for mais escasso será o limitante do aumento de produção. Fatores limitantes podem ser principalmente as fontes de energia utilizável e a capacidade de o ambiente absorver resíduos. Por prestar atenção a essas restrições, a economia ecológica não se ilude quanto à possibilidade de o sistema econômico aumentar de tamanho indefinidamente. Além disso, para a economia ecológica existe um escala além da qual o aumento físico do subsistema econômico passa a custar mais que o benefício que pode trazer ao bem-estar da humanidade.

Persiste, contudo, a questão de monitorar o ecodesenvolvimento. Veiga sustenta que nem o PIB nem o IDH são adequados para esse fim. O PIB é uma adição de bens e serviços vendidos e comprados sem qualquer distinção entre os que são benéficos ou não para a sociedade. Despesas com acidentes, poluição, contaminações tóxicas, criminalidade ou guerras são consideradas tão relevantes como os investimentos em habitação, saúde ou transporte público. Nem sequer é computado o trabalho doméstico que não seja feito por criadagem remunerada, por não envolver transações monetárias. Muito menos inclui depreciações de recursos naturais. Ou seja, o PIB não foi inventado para medir progresso, bem-estar ou qualidade de vida, mas tão somente para medir crescimento econômico.

O IDH, surgido em 1990 como concorrente do PIB per capita, já nasceu obsoleto por não considerar a problemática socioambiental que fez emergir o desenvolvimento sustentável como o principal valor de nossa época.

Em contrapartida, argumenta Veiga, “nenhuma nação poderá pegar o rumo do ecodesenvolvimento se não cumprir o seguinte requisito: melhorar a qualidade de vida de cada cidadão — tanto no presente como futuro — com um nível de uso dos ecossistemas que não exceda a capacidade regenerativa e assimiladora de rejeitos do ambiente natural. Quando tal requisito for cumprido, o país certamente estará contribuindo para a manutenção dos processos evolutivos da biosfera”.

Apesar de coerente, essa visão ainda é muito ampla para ser traduzida em indicadores. Por isso, ela precisa ser afunilada. Outro obstáculo são as ambiguidades das noções de renda, riqueza e bem-estar.

Diante dessas dificuldades, Veiga acha positiva a iniciativa do presidente francês Nicolas Sarkozy de convidar os detentores do prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz e Amartya Sen para propor uma alternativa de superação do PIB e do IDH. Comenta também outros esforços feitos por vários estudiosos e organismos multilaterais nos últimos anos, entre eles o Banco Mundial com seu conceito de Poupança Genuína; e a idéia de Progresso Genuíno, que calcula o bem-estar econômico a partir dos gastos para o consumo privado.

A tendência é que as organizações internacionais procurem adequar ao ideal do ecodesenvolvimento os seus métodos de mensuração do desempenho econômico, da qualidade de vida e da sustentabilidade ambiental.

. [ Evento na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, avenida Paulista, 2073, São Paulo (SP). Debate às 16h30 no Teatro, seguido de sessão de autógrafos, às 19 horas, no andar térreo].

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