Da Semente até o Consumidor

Do alto das montanhas de soja orgânica estocadas na sede da Agrorganica em Campo Largo (PR), Roberto Perin observa a chegada e saída de caminhões que transportam a produção para o Porto de Paranaguá, de onde a carga é exportada para ser utilizada como matéria prima de alimentos no mercado europeu – uma rotina que se repete há mais de uma década.

Mas num cantinho do armazém, um estoque mantido para atender ao mercado nacional revela a semente de um novo cenário produtivo e comercial. Um dos pioneiros no cultivo de soja orgânica no país, Roberto agora destina uma pequena parte para a produção própria de alimentos industrializados, destinados ao mercado nacional.

Com o investimento a frente da Samurai Organic Foods, que produz alimentos vegetais a base de soja orgânica como tofus e burguers de soja, Roberto assume o desafio de vencer o paradigma de um país meramente exportador de grãos e aposta no desenvolvimento do consumo de alimentos orgânicos no Brasil – um segmento que vem crescendo numa média de 25% ao ano, segundo dados do setor varejista.

A descoberta - Tudo começou na Escola de Agronomia na Universidade Federal do Paraná, quando Roberto, um jovem vindo de uma infância rural na propriedade da família em Marmeleiro, sudoeste do Paraná, ouviu falar pela primeira vez dos benefícios do cultivo orgânico e iniciou suas primeiras experiências numa pequena área doada pelo curso de agronomia para este fim.

A descoberta da agricultura biodinâmica, a partir das palestras do criador da Antroposofia, Rudolf Steiner, representou um marco para a união de uma dúzia de jovens estudantes de agronomia, que, assim como Roberto, ficaram fascinados pelos benefícios apontados numa agricultura sem o uso de pesticidas e herbicidas. Reunidos periodicamente para debater o tema, este grupo de jovens agrônomos plantou as sementes do cultivo de orgânicos na região.

Duas décadas depois, o estado Paraná é hoje referência em alimentos orgânicos no país com cerca de 5.300 produtores responsáveis por mais de 107 mil toneladas de alimentos anuais - apresentando a maior variedade de produtos e perdendo em volume apenas para São Paulo. (fonte: Instituto Emater)

O início - Na época do curso de agronomia, Roberto só pensava em terminar os estudos em Curitiba e levar os novos conhecimentos extra-classe para a administração da propriedade da família. E foi assim que ele começou a cultivar soja orgânica por conta própria em 1990.

Através de um contato com o Instituto de Biodinâmica de Botucatu -IBD, uma referencia no setor, Roberto começou a organizar produtores locais a fim de atender às demandas de uma empresa norte-americana interessada em exportar soja orgânica para a Europa. Uma parceria que durou até 1999 e ampliou o seu conhecimento de toda a cadeia produtiva e de negócios envolvida no processo.

Desfeita a parceria, Roberto decidiu montar a Agrorganica com o objetivo de continuar o fornecimento exclusivo de sua produção para a Do-It, empresa do holandês Poppe Braam que distribui produtos orgânicos dos cinco continentes no aquecido mercado europeu e que hoje é também um dos sócios da Samurai Organic Foods.

Qualidade certificada - Atualmente, Roberto se dedica a administrar o transporte, processamento e envio da produção de soja realizada pelos produtores associados à sua empresa. Neste processo, a Agrorganica garante a procedência e qualidade para consumo humano de cada grão de soja produzido, controlando as etapas de produção da semente até a mesa do consumidor.

Certificada com selo EcoSocial do IBD, a empresa possui um armazém especialmente desenhado para estocar a produção orgânica e garante a atuação dentro dos preceitos do comércio justo. Os 20% de grãos que chegam quebrados, não servem para consumo humano e são processados como farelo para ração animal e vendidos para o mercado europeu.

Mercado interno - Como fornecedor de matéria-prima, o Brasil já é um dos principais propulsores de um mercado mundial de alimentos orgânicos, que deverá movimentar R$ 176 bilhões em 2010, de acordo com projeções da Biofach.

Mas o sucesso das exportações não demoveu Roberto da idéia de desenvolver o até pouco tempo atrás inexistente mercado nacional de consumo de orgânicos. Desde 2003 ele buscava uma parceria com os europeus para industrializar alimentos a base de soja orgânica para o público interno.

Um processo que só viria a se concretizar em 2007, quando a Agroroganica formou uma parceria com a Samurai Tofu, pequena empresa de Florianópolis (SC), que já detinha um negócio rentável de produção de tofu, com marca reconhecida e vendas em franca expansão no território nacional e necessitando de investimentos para continuar a crescer.

No ano seguinte, a empresa assumiu uma nova formação societária e passou a se chamar Samurai Organic Foods, ganhando força com a entrada de um sócio belga, Frederik Dossche, que atua no mesmo ramo de negócios no mercado europeu.

Atualmente, apenas 1% da soja produzida é aproveitada no mercado nacional através dos produtos da marca - que também são certificados com o selo Vegano-Orgânico da Ecocert/SVB. As cerca de 30 a 40 toneladas anuais consumidas pela empresa atendem a um mercado concorrido e que demanda cada vez mais grãos de soja orgânica.

Desafios orgânicos - Mas nem tudo são flores no desenvolvimento do mercado orgânico no Brasil. Apesar da mudança cultural que atrai consumidores para os benefícios de bem estar e nutrição deste tipo de alimento em comparação às dietas tradicionais, é na produção que reside o maior entrave para a expansão do cultivo orgânico no país.

A frente do transporte, processamento e envio da produção, Roberto aponta o que chama de “alguns erros conceituais” na percepção e classificação dos produtos orgânicos, somados à falta de investimentos governamentais para incentivar este tipo de agricultura que visa uma alimentação mais saudável e nutritiva.

No quesito produtividade, a média de 2500 kg por hectare de soja orgânica é bem semelhante à convencional. Contudo, os custos e riscos envolvidos são bem maiores. A escassez de insumos eficientes para a produção do alimento orgânico exige esforços mais intensivos por parte dos próprios produtores para o controle de ervas, pragas e doenças, como a ferrugem asiática.

Os investimentos são altos, a burocracia é grande e o retorno mais demorado do que no cultivo convencional ou transgênico, afastando muitos produtores potenciais. Para suprir a demanda externa e interna, hoje a Agrorganica tem que buscar soja em quatro estados diferentes – Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso – a partir de cerca de 60 produtores cadastrados.

A concorrência chinesa - muitas vezes desleal - e a imprevisibilidade natural dos fatores climáticos são ameaças constantes aos negócios. Contudo, na época de colheita da safra, entre março e maio, o movimento intenso de caminhões trazendo e levando os carregamentos de soja, comprovam a solidez e eficiência da operação desenvolvida pela Agrorganica ao longo de todos estes anos.

Visão pessoal - Apesar de curtir todas as etapas da administração do negócio – da semente à mesa do consumidor - Roberto revela que o seu maior prazer na atividade ainda está nas visitas periódicas ao campo, onde conversa com os produtores e se informa sobre as condições da colheita em cada temporada. Nestes momentos, ele volta às origens de onde o seu negócio prosperou e reforça a certeza de estar no caminho certo.

Na vida pessoal, Roberto é um homem tranqüilo e simples. Aos 44 anos, ele hoje mora em Curitiba com esposa e o filho de 15 anos. Nos momentos de lazer, um dos poucos luxos que se permite é tirar a sua motocicleta Harley Davidson da garagem para curtir a emoção de pegar a estrada com os amigos.

Para o futuro, sua meta é investir na expansão da Samurai Organic Foods, com uma maior automação nos processos produtivos para dobrar a sua produtividade. Um movimento natural para uma empresa que vem crescendo mais de 70% ao ano e lançando novos produtos voltados para uma alimentação saudável e nutritiva. [ www.samuraifoods.com.br]