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08/11/2016 - 07:37

COP22: a nova negociação climática desta vez em Marrakesh

Mais uma vez as mudanças climáticas estarão no foco da diplomacia global, quando delegações da maioria dos países do mundo se reúnem em Marrakesh para a 22ª Conferência das Partes da Convenção Clima da ONU.

De certo modo, a COP 22 é a “amiga nerd” de sua gloriosa predecessora parisiense. Em dezembro passado, a atenção do mundo voltou-se para a França no momento em que nações rivais finalmente cooperaram entre si para assinar o primeiro acordo climático global. Naquele momento o Acordo de Paris estabeleceu o quadro geral que vai lidar com as mudanças climáticas nas próximas décadas. Agora as nações têm a tarefa de desenvolver os detalhes, coisa de “nerd”.

É provável que estas sejam as questões fundamentais desta rodada de negociações:. Como incluir todos os países nas negociações? . Que forma e conteúdo devem incluir as promessas climáticas? . Como o progresso será monitorado?. Que medidas devem ser tomadas em relação às perdas e danos das nações mais vulneráveis? . Como apoiar as nações pobres. Como dar transparência e responsabilidade à ação?. Que informações devem ser fornecidas sobre a adaptação aos impactos das mudanças climáticas? .De onde virá o dinheiro? .E, finalmente, mas muito importante, quem será presidente dos EUA?.

Embora se espere pouca dramaticidade de Marrakesh (excetuando os impactos dos resultados das eleições dos EUA), esta será uma oportunidade de lidarmos com as “porcas e os parafusos” do Acordo. Sobre isto, a especialista em política climática do think tank ambiental E3G, Liz Gallagher, diz que “veremos decisões reais na COP22, já que esta não será de nível terrivelmente alto, o que significa que não haverá grandes pechinchas pelas quais se entrincheirar em valas até a morte... É a qualidade e o detalhe que estão em jogo. "

Suspender as conversas para incluir a todos? O “espírito de Paris”, aquela unidade demonstrada pelos países em 2015, se estendeu ao longo de 2016 e fez as nações assinarem e ratificarem o Acordo muito mais cedo do que esperado.

A ratificação em massa fez com que prazos inicialmente distantes fossem antecipados e o Acordo entrou em vigor neste 4 de novembro. Não há nada previsto quanto a se lidar com esta antecipação e, por isto, alguns países podem ficar fora do processo de tomada de decisão, uma vez que esta agora será de responsabilidade dos que ratificaram o Acordo.

Para contornar este problema, os países terão de decidir, já no início da Conferência, se “suspendem” o formato previsto para a fase pós-ratificação das conversações (que seria o de uma Conferência das Partes do Acordo de Paris, ou “CMA1”) e retomam as conversações, temporariamente, no formato pré-ratificação (que seria um Grupo de Trabalho Ad Hoc sobre o Acordo de Paris, ou “APA”). Se isto ocorrer a CMA1 seria retomada em 2018 —ou em 2017, como quer o Brasil, segundo o que disse Everton Lucero, do MMA, para o Estadão.

Limpando as NDCs — Uma das tarefas mais importantes a serem enfrentadas em Marrakesh é a triagem das discrepâncias existentes entre as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).

As NDC são, sem dúvida, a base do Acordo de Paris. Nas promessas apresentadas pelos países antes das negociações cada qual definiu livremente como lidaria com as mudanças climáticas nos próximos anos.

Os documentos enviados pelos países são testemunho da seriedade com que o mundo se aproximou daquelas negociações e oferecem uma gama diversificada e abrangente de metas e ações. No entanto, a soma do prometido fica muito aquém do necessário para o cumprimento do objetivo de manutenção do aquecimento global “bem abaixo dos 2oC” como foi acordado em Paris.

Além disso, a diversidade de calendários e linhas de base usadas nas diferentes propostas tem trazido dores de cabeça na hora de medir o seu impacto cumulativo. Em Marrakesh, os países começarão a criar um conjunto mais uniforme de características para as futuras NDCs.

Os países também deverão trabalhar para garantir que as NDCs sejam tão claras e transparentes quanto possível, fornecendo orientação sobre o tipo de informação que devem conter.

Isto pode ser qualquer coisa desde uma explicação de como as atuais NDCs oferecem uma progressão em relação às promessas anteriores até que forneçam informações iniciais sobre como estas se encaixam nos processos de planejamento nacional ou que determinem terminologias e métodos consistentes.

E ainda, o Acordo de Paris diz que os países devem prestar contas das suas NDCs de modo a garantir que as medidas tomadas sejam rastreáveis. Em Marrakesh, os países precisam trabalhar para “desmistificar” esse processo, o que inclui estabelecer objetivos, tais como garantir a integridade ambiental e evitar a dupla contagem. Brasil, Canadá e China entre outros já expuseram suas opiniões sobre essas questões.

Estoque global — Um dos elementos mais importantes do Acordo de Paris é o inventário global que avaliará periodicamente os progressos coletivos em direção ao de cumprimento dos objetivos de longo prazo do Acordo, os stocktakes.

Os stocktakes fazem parte do “mecanismo de catraca” concebido para aumentar a ambição das nações em relação às ações de combate à mudança climática ao longo do tempo, mecanismo que reconhece que as promessas atuais não cumprirão as metas de temperatura estabelecidas no Acordo.

O primeiro stocktake acontecerá em 2023, mas está programado um “diálogo facilitador” sobre o assunto para 2018.

Esta novidade nas negociações climáticas da ONU precisa ser cuidadosamente definida. Na COP22, os países discutirão sua forma e conteúdo.

Os tópicos incluirão os inputs que permitirão avaliar o efeito global das NDCs, o estado dos esforços de adaptação aos impactos das mudanças climáticas e de fornecimento de apoio financeiro, tecnológico etc. De acordo com um resumo das consultas informais, as partes concordaram que o IPCC e as instituições da UNFCCC e do Acordo de Paris deverão ser as fontes primárias. A UNFCCC compilou todas as sugestões apresentadas pelas várias partes até agora.

Os países também discutirão como o stocktake deve realmente funcionar. De acordo com uma nota dos co-presidentes das negociações, a maioria dos países vislumbra que o processo dure pelo menos um ano.

Perdas e danos — Marrakesh será um momento-chave para o mecanismo de perdas e danos, um bloco da construção do aparato da ONU contra as mudanças climáticas que só apareceu em 2013, durante a COP19 de Varsóvia.

Até então, a questão das perdas e danos era um assunto à parte batalhado pelos países que têm mais a perder com as mudanças do clima. Estes queriam algo que os ajudasse a lidar com os impactos mais severos da mudança climática, ali quando a adaptação já não é mais uma opção.

Embora o mecanismo grosso modo tenha sido estabelecido em 2013, decidiu-se que seria submetido a uma revisão na COP 22. Pois bem, o momento chegou: em Marrakesh os países terão a tarefa de analisar o mecanismo, sua estrutura, mandato e eficácia.

No ano seguinte ao seu estabelecimento, o comitê executivo do mecanismo concebeu um plano de trabalho de dois anos, que foi aprovado em Lima em 2014. O plano lidava com questões como perdas não econômicas, eventos insidiosos e de início lento e migração.

Também tinha a tarefa de elaborar um plano de trabalho de cinco anos, que entraria em ação assim que os dois primeiros anos expirassem, ou seja, agora. Em Marrakesh, os países avaliarão um rascunho deste plano. Se for adotado, o plano orientará o trabalho sobre perdas e os danos nos próximos anos.

Comitê de Capacitação de Paris — Depois de Paris, o foco mudou para a implantação das ações. Para a implantação é essencial criar capacidade nos países mais pobres e vulneráveis para que estes possam se adaptar aos impactos climáticos e combater suas emissões.

Na COP do ano passado, o Comitê de Capacitação de Paris foi estabelecida e já se começou a trabalhar para torná-la funcional. De acordo com um resumo das consultas informais realizadas no Marrocos em setembro, muitos esperam que sejam dados “especial destaque e visibilidade” ao Comitê na COP22.

Numa reunião realizada no início deste ano, os países elaboraram uma lista provisória de regras para o Comitê, incluindo sua constituição e as fontes de especialização que podem utilizar. Na COP 22, os países terão a oportunidade de adotar este documento.

Eles também serão convidados a decidir sobre o foco do comitê durante 2017. Uma sugestão para o tema é a implantação das NDCs.

Transparência — Paris estabeleceu diretrizes de transparência para que fique claro quais medidas estão sendo tomadas para combater as mudanças climáticas e prestar apoio aos mais vulneráveis.

Os países não estão partindo do zero no estabelecimento de um sistema de transparência, já existem alguns arranjos. Eles também têm até 2018 para completar todas as diretrizes e regras para o melhoramento do sistema.

No entanto, muitos enfatizaram a urgência desta vertente de trabalho, considerando a antecipação da entrada em vigor do Acordo, e salientaram as suas expectativas de resultados “concretos” na COP22, de acordo com uma nota dos co-presidentes.

Algumas das tarefas para os próximos anos incluem definir como as diretrizes de transparência serão diferenciadas entre os países, de modo que as nações pobres não enfrentem um peso excessivo, e como experiências anteriores podem informar o novo quadro de diretrizes.

Para a COP 22, alguns países sugeriram que um certo número de tarefas exequíveis pode incluir pedidos de novas opiniões das partes, solicitações de documentos técnicos sobre questões específicas ainda não decididas e convocação de workshops de especialistas técnicos.

Adaptação — O Acordo de Paris reforçou a importância da adaptação às mudanças climáticas. O Acordo diz que cada país deve submeter uma comunicação sobre adaptação conforme apropriado. Agora, o restante dos detalhes dessas comunicações precisa ser aperfeiçoado.

É certo que Paris marcou um ponto de virada na adaptação, mas o tema já estava bem trilhado nas negociações climáticas da ONU. Por exemplo, os países já detalharam seus processos de planejamento de adaptação e existe uma série de relatórios e documentos sobre adaptação. Parte do trabalho na COP22 será estabelecer o relacionamento e assegurar a consistência entre estas vertentes.

Em algum momento, as partes também terão de analisar o que será mostrado nas comunicações de adaptação. Entre as numerosas sugestões feitas até agora estão avaliações de vulnerabilidade, objetivos de longo prazo, planos e ações, e necessidades de apoio.

Finanças — Haverá algum dia uma COP na qual o dinheiro não será uma questão maior? Este cenário é bem improvável, já que sem a ajuda financeira dos países desenvolvidos as nações pobres não terão capacidade de agir sobre as mudanças climáticas.

Na COP21, muitas discussões rodaram em torno dos países ricos cumprirem a promessa de fornecer US$ 100 bilhões por ano até 2020 para a ação climática nos países pobres. A COP22 não será diferente.

Ainda não se vislumbra como será possível aumentar a ajuda financeira atual até este nível. As discussões serão enquadradas por um relatório recente dos países desenvolvidos, no qual alegam que estão no bom caminho para cumprir a promessa dos US$ 100 bilhões. O relatório afirma que US$ 62 bilhões foram fornecidos em 2014. No entanto, há alguma tensão sobre a metodologia empregada na produção deste relatório, que pode ressurgir em Marrakesh.

Na primeira segunda-feira da COP, a ONU lançará seu próprio relatório bienal dos fluxos financeiros climáticos.

O outro grande momento de discussão do financiamento climático em Marrakesh será o Diálogo Ministerial de Alto Nível sobre Financiamento do Clima, que acontecerá no dia 16 de novembro, no qual os ministros terão a oportunidade de refletir sobre como cumprirão suas promessas. Em evento similar que aconteceu em Lima em 2014, vários países anunciarem novos compromissos de financiamento climático.

Eleições presidenciais nos EUA — O humor das conversações climáticas deste ano será determinado, em grande parte, pelo resultado das eleições presidenciais dos EUA que deve ser anunciado no dia 9 de novembro.

O candidato republicano Donald Trump não escondeu seu ceticismo em relação à ciência das mudanças climáticas e sua hostilidade ao organismo climático da ONU. Trump ameaçou retirar os EUA do Acordo de Paris, suspender recurso para o financiamento climático e revitalizar a indústria do carvão.

Alguns juristas entendem que, a menos que os EUA se retirem da própria UNFCCC, na prática não poderão deixar o Acordo de Paris nos próximos quatro anos. Mas isso não significa que uma vitória republicana não venha a fazer sombra sobre o processo. | Sophie Yeo/Carbon Brief. Mais em inglês: [www.carbonbrief.org/preview-un-cop22-climate-talks-marrakech].

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