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08/08/2009 - 09:47

Regularização fundiária na Amazônia x proteção ambiental: uma falsa contradição

Um dos temas mais polêmicos das políticas agrária e ambiental do Governo Federal é o projeto de regularização de terras públicas na Amazônia Legal, convertido na Lei nº 11.952/2009. Dois argumentos contrários à iniciativa se destacam: o primeiro diz que, ao estabelecer a preferência de venda das terras aos seus ocupantes entre 15 módulos fiscais (média propriedade) e 2.500 hectares (grande propriedade), a lei iguala o grileiro, geralmente grande proprietário, ao posseiro, pequeno proprietário. Isso representaria, na prática, um empreendimento imobiliário em favor do grileiro.

O segundo argumento afirma que a regularização fundiária, tal como foi proposta, aumentará o desmatamento da Amazônia. Do outro lado, os ocupantes das terras públicas rebatem as críticas, dizendo que foram para a Amazônia sob o estímulo de políticas públicas do passado, que lhes prometeram terra para trabalhar. Sob essa ótica, o desmatamento ocorreu porque, para ter assegurado o direito à propriedade, era necessário derrubar 50% da floresta da área ocupada. A questão se torna complexa por um motivo simples: todos os argumentos têm um fundo de verdade e não podem ser descartados a priori. Talvez estejamos diante daquilo que Carlos Drummond de Andrade chamou de “meia verdade”, no poema “A Verdade”.

Em meio a tantas opiniões distintas, é necessário buscar um consenso mínimo. O primeiro passo talvez seja o entendimento de que, a partir da Constituição de 1988, a sociedade brasileira estabeleceu um novo contrato, com novas regras para o relacionamento da sociedade com o meio ambiente. Assim, o passado não pode ser desculpa para a continuidade de comportamentos predatórios. O segundo ponto é a necessidade de se pactuar uma transição que assegure a superação desse passado. Dois elementos devem ser trabalhados nessa transição: o resgate do passivo ambiental causado pelo desmatamento da floresta, tendo como premissa a meta de desmatamento ilegal zero; e o preço justo da terra. Harmonizando esses dois pontos, a transição será mais rápida.

A política de regularização fundiária apresentada pela União e pelos Estados da Amazônia viabiliza essa transição. Uma transição que não se contenta em somente entregar títulos de terra, mas visa também consolidar a política de ordenamento territorial, priorizando a ocupação familiar, das populações tradicionais e o respeito pelo meio ambiente. Trata-se de uma política propositiva porque cria regras de controle e transparência, pactuadas com os diferentes atores sociais (Governos Federal, Estadual, Municipal e sociedade civil). Desse modo, a institucionalização da propriedade privada se constitui também numa condição para a consolidação de um modelo democrático e participativo de distribuição e de gestão da terra e dos recursos naturais. E, consequentemente, de proteção do meio ambiente.

Ao contrário do que ocorria no passado, hoje temos mecanismos de controle público: a exigência do georreferenciamento dos imóveis; o cadastro ambiental rural; o licenciamento das atividades agrárias. No final do processo de regularização fundiária, a fronteira estará “fechada”, porque os espaços públicos deverão ser destinados à proteção ambiental ou a atividades agroambientais. Engana-se quem espera que, no futuro novas regularizações irão ocorrer.

Os Estados da Amazônia já iniciaram o ordenamento territorial com a elaboração do zoneamento ecológico-econômico, a estruturação dos órgãos fundiários e ambientais, e a aprovação de normas agrárias e ambientais. Com isso, buscam conciliar os princípios da produção agrária com os da proteção ambiental. No Estado do Pará, o principal instrumento para assegurar a transparência e a segurança jurídica é o Cadastro Ambiental Rural (CAR). O CAR é exigido para todo o imóvel rural no estado e é uma precondição para iniciar o processo de titulação da terra. Com o cadastro, objetiva-se construir uma base de informação sobre a ocupação das terras públicas e privadas, e a recuperação da reserva legal e da área de preservação permanente.

Implementar a regularização fundiária é iniciar o ordenamento territorial, com o controle do espaço público e a destinação das terras para os diferentes usos e proteção. O maior problema a ser enfrentado é o paradoxo da Constituição Federal que, ao estabelecer critérios avançados de proteção ambiental, não criou nenhum obstáculo à concentração da propriedade rural. O único dispositivo constitucional que apresenta algum embaraço ao latifúndio é a obrigação de cumprir a função social da terra. Sabemos que isso não é suficiente para impedir a concentração fundiária.

Para uma verdadeira distribuição da terra é necessária a constitucionalização do limite à propriedade, estabelecendo restrições ao tamanho da área e à quantidade de imóveis rurais que uma pessoa física ou jurídica pode possuir. Não é a proposta de regularização fundiária que irá acelerar a concentração fundiária; esta já existe e, enquanto não forem criadas restrições à aquisição de imóveis rurais, o processo que permite que poucos tenham muito continuará, com forte tendência a aumentar.

Por outro lado, o mercado nacional e internacional está fechando o cerco às práticas predatórias e a sociedade vem exigindo comportamentos comprometidos com a sustentabilidade ambiental e a responsabilidade social. O que precisamos agora é de uma política socialmente justa, ambientalmente sustentável e economicamente inclusiva.

. Por: José Heder Benatti, presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa). Foi presidente da Sociedade Paraense de Direitos Humanos e é professor doutor de Direito Agrário na Universidade Federal do Pará (UFPA).

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